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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Alimentos devidos pelos avós

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Publicado em 10/2005 Ricardo César Gardiolo
Sumário: Introdução – Obrigação Alimentar – Natureza dos alimentos devidos pelos avós – Conclusão – Referências bibliográficas

INTRODUÇÃO

É fato que o homem necessita conviver em sociedade para que sobreviva. Não é por outro meio, senão através da divisão dos encargos, que o homem consegue obter os recursos necessários a manter-se vivo. É preciso distribuir os ônus da sobrevivência a toda a sociedade, em especial à família.

Como afirma Arnoldo Wald: "a obrigação alimentar caracteriza a família moderna. É uma manifestação de solidariedade econômica que existe em vida entre os membros de um mesmo grupo, substituindo a solidariedade política de outrora". [01]

Não subsiste mais a família propalada por Clóvis Bevilaqua, como sendo aquela formada pela associação do homem e da mulher, em vista da reprodução e da necessidade de criar os filhos, consolidada pelos sentimentos afetivos e pelo princípio da autoridade, garantida pela religião, pelos costumes e pelo direito. [02]

A família se assenta sobre o princípio da solidariedade havida entre seus sujeitos, como explicam Ambroise Colin e Henri Capitant, ao afirmarem que esta se impõe aos parentes, ao menos a alguns, a fim de fornecer os alimentos aos membros mais próximos que se encontram necessitados. [03] A obrigação alimentar não se limita a existir entre pais e filhos e envolvem outros membros da família.

Como recorda Washington de Barros Monteiro, "a obrigação alimentar constitui estudo que interessa ao Estado, à sociedade e à família". [04]

Como fenômeno contemporâneo, cada vez mais é exigida dos membros da família a participação no custeamento dos outros, é preciso complementar os fundos necessários para a mantença de cada indivíduo, contrariando a afirmação de Henri Leon Mazeaud e Jean Mazeaud, de que a obrigação alimentar diminui por causa da generalização do sistema de seguridade social. [05]

Neste sentido aborda Arnoldo Wald que "a finalidade dos alimentos é assegurar o direito à vida, substituindo a assistência da família à solidariedade social que une os membros da coletividade, pois as pessoas necessitadas, que não tenham parentes, ficam em tese, sustentadas pelo Estado". [06]

A família compreende o primeiro círculo de solidariedade, e somente na sua falta é que o Estado é convocado a suprir as necessidades do alimentando. Desta forma são chamados os avós a participarem para o suprimento das necessidades dos netos por conta do disposto no artigo 1.694, do Código Civil, que autoriza os parentes a pedirem uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Dispõe, ainda, o artigo 1.696 do Código Civil que o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

A obrigação alimentar se define como sendo aquela em que se determina a uma pessoa fornecer a outra os meios necessários à satisfação das necessidades essenciais da vida. A palavra alimentos deve ser entendida em seu sentido lato, compreendendo não somente a nutrição, mas tudo mais que for necessário à existência, como moradia, vestuário, despesas médicas, despesas com educação e com o funeral.

Surgiu antes como officium pietatis do que propriamente uma imposição. O seu pagamento estava muito mais próximo da noção de caridade, de dever moral, do que uma obrigação de caráter estritamente jurídico. [07] É como afirma Roberto de Ruggiero: "tendo surgido primeiramente como um dever ético, um officium, confiado à pietas e às normas morais, é depois englobada no direito, que a eleva a obrigação jurídica e a mune de sanção". [08]

Roberto de Ruggiero garante que sua função e seu fim são os de fornecer ao parente que tenha necessidade os meios de subsistência, se não tem de onde tirar e se encontra impossibilitado de os produzir. [09]

Trata-se de obrigação de caráter personalíssimo, devida pelo alimentante em função de seu vínculo de parentesco com o alimentando. Extrai-se que o direito a alimentos toma as seguintes características: são irrenunciáveis, intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, incompensáveis, recíprocos, inalienáveis e não repetíveis.

Os elementos fundamentais para que se dê o direito aos alimentos são o vinculo de parentesco, a possibilidade econômica do alimentante e a necessidade do alimentando, sendo que o critério de fixação do valor devido a este título está na proporção entre estes dois últimos requisitos.

A obrigação de alimentar apenas subsiste enquanto subsista a necessidade do alimentando e a possibilidade econômica de a satisfazer do alimentante, como atenta Roberto de Ruggiero: "... a obrigação é por sua natureza condicional e variável: cessa quando se extingue a necessidade ou falta a capacidade patrimonial, e a prestação muda de medida conforme varia a necessidade ou a fortuna das duas partes". [10]

Além das garantias ordinárias do pagamento, como a execução forçada, o credor de alimentos se beneficia de garantias especiais, como a responsabilidade penal pelo abandono da família.

NATUREZA DOS ALIMENTOS DEVIDOS PELOS AVÓS

Antes de tudo, é importante não se confundir a obrigação com o dever de alimentar, como ensina Rolf Madaleno:

A fim de poder apreender com maior clareza a distinção entre obrigação alimentar e dever de prestar alimentos, é preciso ter presente a noção de família nuclear, formada basicamente, pelo par andrógino e seus filhos, evidentemente, quando existentes. A este núcleo familiar deita uma obrigação de alimentos calcada no vínculo de solidariedade que se mostra muito mais intenso e significativo. Já no respeitante ao dever pensional parental, devem ser enquadrados os parentes de graus mais distantes, como avós e irmãos, sobre os quais pesa igualmente um dever de solidariedade, no entanto, sem lhes impor sacrifícios, pois atrelados à assistência nos limites das forças de seus recursos.

A solidariedade familiar entre pais e filhos é ilimitada e vai ao extremo de exigir a venda de bens para cumprimento da obrigação filiada ao princípio constitucional do direito à vida, dentro da dignidade da pessoa humana (arts. 1º e 5º, da CF). É o entendimento de Yussef Said Cahali, ao referir devam ser envidados ‘todos os esforços dos pais no sentido de fazer do filho por ele gerado um ser em condições de viver por si mesmo...’ ". [11]

Pontes de Miranda, em seu Tratado de Direito de Família assenta que a pretensão a alimentos é de natureza familiar e não obrigacional, tomando, portanto, contornos próprios:

A pretensão a alimentos, fundada nos arts. 396-405, é pretensão de direito de família, que nada tem com o direito das obrigações. Não só se funda no parentesco; o parentesco, nas espécies que o Código Civil aponta, é, apenas, junto à necessidade do alimentando e à suficiência de recursos do alimentante, elemento do suporte fático. Do dever de alimentar deriva o direito a alimentos, pessoal, razão por que não se podem invocar regras jurídicas do direito das obrigações, analogicamente. No trato das relações jurídicas de que se irradiam direitos e deveres alimentares devem-se separar, nitidamente, o que concerne à existência da sociedade conjugal, o que deriva da relação jurídica de pátrio poder, inclusive em caso de adoção, e o que provém da relação jurídica paternofilial, ou maternofilial." [12]

Em relação aos avós, declara Pontes de Miranda:

Avós. Na falta dos pais, a obrigação passa aos avós, bisavós, trisavós, tetravós etc., recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Pelo antigo direito brasileiro (Assento de 9 de abril de 1772, § 1), na falta dos pais, a obrigação recaía nos ascendentes paternos e, faltando esses, nos ascendentes maternos; mas a distinção não tem razão de ser, pois não na fez o Código Civil, que diz explicitamente: ‘... uns em falta de outros’. Se existem vários ascendentes no mesmo grau são todos em conjunto.

Por isso que os ascendentes de um mesmo grau são obrigados em conjunto, a ação de alimentos deve ser exercida contra todos, e a quota alimentar é fixada de acordo com os recursos dos alimentantes e as necessidades do alimentário. Assim, intentada a ação, o ascendente (avô, bisavô etc.; avó, bisavó etc.) pode opor que não foram chamados a prestar alimentos os outros ascendentes do mesmo grau. Se algum dos ascendentes não tem meios com que alimente o descendente, o outro dos ascendentes do mesmo grau os presta. Se o descendente já recebe de algum ascendente o suficiente para a sua alimentação (no sentido largo, que é o técnico), podem os outros opor esse fato; mas, se a quantia ou recursos fornecidos pelo alimentar não bastam, é lícito ao alimentário argüir a insuficiência do que recebe, ou a precariedade de seu sustento em casa do ascendente, e pedir ao outro ou aos outros ascendentes que completem o quanto, ou prestem o necessário à sua vida normal. [13]

Depreende-se que em se tratando de alimentos pretendidos em face dos avós, não existe dever de sustento, apenas obrigação de alimentar baseada no princípio de solidariedade familiar. Assim decidiu recentemente o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ao proclamar o caráter substitutivo da obrigação de alimentar dos avós. "Os avós, desde que possível, em face do princípio da solidariedade familiar na ação de alimentos, assumem obrigação substitutiva dos pais que não reúnem condições financeiras para a garantia da sobrevivência da prole que geraram". [14]

A responsabilidade dos avós quantos aos alimentos é complementar e deve ser diluída entre os progenitores paternos e maternos. [15] É como se extrai da lição de Roberto de Ruggiero:

Avós e outros ascendentes. – Na falta de pais ou quando eles não tenham meios suficientes, a obrigação passa para os avós e para os outros ascendentes legítimos segundo a ordem de proximidade (arts. 138 e 142 do cc e arts. 147, 148 e 433 do CC), dividindo-se entre a linha paterna e materna, analogamente ao que sucede na sucessão hereditária". [16]

Se ocorre a pluralidade de obrigados, deve cada um deles concorrer na proporção de suas condições econômicas, como ensina Domenico Barbero. [17]

Sendo assim, o comprometimento dos avós com os alimentos dos netos deve ser complementar no sentido de auxiliar os pais no sustento de seus filhos. Quando os pais podem prover os alimentos de seus filhos os avós não devem ser chamados, pois "os filhos têm direito aos alimentos segundo a fortuna dos pais, não sendo lícito cotejar fortunas entre os avós e destes com as dos pais para pedir contra quem for mais bem aquinhoado". [18]

Clóvis Bevilaqua alerta que os alimentos pretendidos em face dos avós são devidos pietatis causa, ad necessitatem e não ad utilitatem. [19] Ao contrário da obrigação alimentar baseada nos deveres de mútua assistência, os alimentos devidos pelo laço de parentesco visam garantir unicamente os recursos indispensáveis à sobrevivência digna do necessitado, "embora admissível a proposição de ação alimentar contra os avós, não é razoável impelir o avô paterno a complementar pensão alimentar quando não demonstrada a insuficiência econômica do genitor do alimentado, que apenas está inadimplente. Recomendável, no caso, utilização de remédio jurídico processual adequado que é a execução de alimentos", como decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. [20]

Isso porque a obrigação de alimentar é subsidiária e complementar, sendo devidos alimentos pelos avós "somente se restar demonstrado que o pai dos menores não tem patrimônio hábil para sustentá-los, ou não possui condições de arcar sozinho com a obrigação de alimentar". [21]

Em razão do deveres relativos ao poder parental, o dever de alimentar dos pais é recíproco, devendo cada um deles contribuir no sustento de seus filhos, não cabendo exclusivamente a um dos genitores arcar sozinho com as despesas relativas a guarda e conservação de seus filhos.

A suplementação dos alimentos pelos avós deve ser vista como uma excepcionalidade e devida tão-somente "diante da prova inequívoca da insuficiência de recursos não só do pai-alimentante, mas também da mãe, já que a obrigação alimentar em relação aos filhos incumbe a ambos". [22]

Antes de serem chamados os avós a suprirem as necessidades de seus netos é preciso ficar demonstrada a impossibilidade dos pais em garantir-lhes a sobrevivência, "a ação de alimentos deve ser dirigida primeiramente contra o pai, para, na impossibilidade dele, serem chamados os avós. Somente após, comprovada a impossibilidade do pai em prover os alimentos ao filho postulante, estaria legitimado a intentar a ação contra os avós". [23]

A obrigação de alimentar, no caso de omissão do pai, estende-se aos avós, levando-se em consideração o binômio capacidade–necessidade, devidamente comprovado. [24]

Entendeu o Superior Tribunal de Justiça que "os avós, tendo condições, podem ser chamados a complementar o pensionamento prestado pelo pai que não supre de modo satisfatório a necessidade dos alimentandos". [25] O fato de o pai já vir prestando alimentos ao filho não impede que ele possa reclamá-los dos avós, desde que demonstrada a insuficiência do que recebe. "A responsabilidade dos avos não é apenas sucessiva em relação a responsabilidade dos progenitores, mas também e complementar para o caso em que os pais não se encontrem em condições de arcar com a totalidade da pensão, ostentando os avós, de seu turno, possibilidades financeiras para tanto". [26]

Os alimentos pretendidos em face dos avós devem ser apreciados pela ótica da necessidade do alimentando e da possibilidade do alimentante. O pedido deve ser verificado com cautela, a fim de não impor um excessivo sacrifício aos avós que estão no final da vida e não devem ser privados das comodidades que alcançaram com seu labor.

A pretensão de alimentos em face dos avós deve atender exclusivamente às necessidades básicas da criança, não tendo os filhos direito a alimentos superiores a fortuna dos pais, "não sendo lícito cotejar fortunas entre os avós e destes com as dos pais para pedir contra quem for mais bem aquinhoado". [27]

Não é só e só porque o pai deixa de cumprir a obrigação alimentar devida aos seus filhos que sobre os avós deve recair a responsabilidade pelo seu cumprimento integral, na mesma quantificação da pensão devida, como decidiu o Superior Tribunal de Justiça. "Os avós podem ser instados a pagar alimentos aos netos por obrigação própria, complementar e/ou sucessiva, mas não solidária. Na hipótese de alimentos complementares, tal como no caso, a obrigação de prestá-los se dilui entre todos os avós, paternos e maternos, associada à responsabilidade primária dos pais de alimentarem os seus filhos". [28]

Deliberou o Tribunal de Justiça do Paraná que "a ação de alimentos contra os avós tem cabimento quando comprovada a falta ou a incapacidade financeira absoluta dos pais". [29]

O valor dos alimentos deve atender às necessidades primárias do alimentando sem, contudo, impor excessivo sacrifício aos avós no final da vida, privando-os das comodidades que sempre usufruíram. [30] Como asseguram Theodor Kipp e Martin Wolff, pode-se exigir dos ascendentes somente os alimentos indispensáveis, compreendidos aqueles que cubram as necessidades imprescindíveis da vida. [31]

CONCLUSÃO

Sendo assim, deve-se concluir que muito embora sejam devidos alimentos aos netos pelos avós, os mesmo são de natureza diversa daqueles devidos pelos pais, pois se assentam no dever de solidariedade e não de sustento.

Como conseqüência, os alimentos devidos pelos avós devem ser aqueles estritamente necessários à sobrevivência dos netos e somente serão devidos se houver possibilidade de prestá-los sem prejuízo do próprio sustento dos alimentantes.

Por sua vez, os alimentos prestados pelos avós devem ser considerados subsidiários, somente sendo devidos na falta dos pais ou na impossibilidade destes em arcar com as necessidades de seus filhos.

Depreende-se que tais alimentos devem ser vistos como complementares, não devendo os avós arcar com o sustento de seus netos se os pais os puderem prover.

A ajuda mútua sempre foi um elemento caracterizador da família, desde suas origens, por ser condição de sobrevivência dos indivíduos. Nas civilizações primitivas, alerta Massimo Canevacci, não conseguir constituir família põe em questão a possibilidade de sobrevivência do indivíduo solteiro. [32]

Nesse mesmo sentido, modernamente é preciso convocar os parentes mais próximos a fim de auxiliar na produção dos meios necessários a alimentar e educar os membros da família.

REFERÊNCIAS

BARBERO, Domenico. Sistema Del derecho privado, volume II, Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa–América, 1967.

BEVILAQUA, Clovis. Código civil comentado, volume II, Belo Horizonte: Francisco Alves, 1933.

CANEVACCI, Massimo. Dialética da Família: gênese, estrutura e dinâmica de uma instituição repressiva, tradução Carlos Nelson Coutinho, 2. ed., S. Paulo, Ed. Brasiliense, (1981).

COLIN, Ambroise et CAPITANT, Henri. Traité de droit civil, tome premier: introduction générale, personnes et famille, biens, Paris: Dalloz, 1953.

COLOMBET, Claude. La famille, Paris: Presses Universitaire de France, 1999.

KIPP, Theodor et WOLFF, Martin. Derecho de familia. Tomo IV, volume II, 2. edição, tradução Blas Pérez González e José Alguer, Barcelona: Bosch, 1953.

MADALENO, Rolf. Direito de família: aspectos polêmicos, 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

MAZEAUD, Henri Leon et MAZEAUD, Jean. Lecciones de derecho civil, volume IV, parte 1, tradução Luis Alcalá-Zamora y Castillo, Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1978.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, volume II, 21. ed., São Paulo: Saraiva, 1983.

OLIVEIRA FILHO, Bertoldo Mateus de. Alimentos e investigação de paternidade, Belo Horizonte: Del Rey, 1993.

PEREIRA, Sergio Gischkow. Ação de alimentos, Porto Alegre: Editora Síntese, 1979.

PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito de família, volume III, Campinas: Bookseller, 2001.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil, volume VI, 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2002.

RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil, volume II, tradução Ary dos Santos, São Paulo: Saraiva, 1972.

WALD, Arnoldo. O novo direito de família, 13. ed., São Paulo: Saraiva, 2000.

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